can you ear me major tom...?


"Apaixonara-se de um momento para o outro, demasiado depressa, demasiado facilmente. Era uma urgência muito antiga, uma força poderosa que ele não dominava. Por vezes, os próprios movimentos do seu corpo pareciam-lhe os de um outro, de tal modo se estranhava. Não era bem ele que andava de um lado para o outro, que agarrava num livro de que lia alguns parágrafos, que persistia em fazer o que lhe era habitual. Ele tinha sido tocado num lugar profundo onde a vida se altera e isso fazia com que a sua alma sentisse tudo à volta de uma maneira diferente, uma outra intensidade, um outro eco. Um vulgar utensílio podia deixar de ser um utensílio para se transformar num objecto de contemplação que ficava a olhar: um sapato, um copo com água, uma nódoa na parede. Tudo o espantava. A mais simples existência espantava-o. Qualquer coisa à beira do caminho era motivo de paragem. E o céu azul era de um assombro infinito. E a noite um milagre.

Tu não achas que isto não tem sentido?, perguntava ela enquanto ele ficava a pensar no que ela quereria dizer com a pergunta que fazia e permanecia calado.

O coração batia-lhe tão alvoraçado como se quisesse escapar para outro lugar. Outras vezes uma paz envolvia-a como se estivesse atacada por uma espécie de morte. Estas mudanças intrigavam-na. O presente espalhava-se como uma mancha, para trás e para a frente vencendo a crista da onda dos instantes. O tempo é clemente com os apaixonados. Um lugar onde podem proteger os seus corpos. Até restarem só as incandescentes palavras.

Sentia-se apaixonado como pela primeira vez. Diante da face dela o mundo inteiro parecia-lhe supérfluo. Não conseguia deixar de a olhar, e quando não estava na sua presença de a imaginar na sua presença. A face dela permitia que o tempo avançasse, se fosse abrindo à sua frente. Sem ela corria o perigo de as coisas todas estacarem, o mar secar e o céu cair. A beleza dela fazia-lhe acreditar que a vida humana merecia a pena ser vivida, todo o sofrimento desde logo justificado. Ele levantava-se, continuava a olhá-la e não conseguia dizer uma palavra. A sentir essa estranha ansiedade na alma. Como se fosse pela última vez."

Pedro Paixão, "Quase que gosto da vida que tenho"

Um coração pessimista e derrotista como sempre foi. Um coração que ama sempre da melhor e da forma mais intensa que existe. Um coração que nunca deixa o meio termo pela metade, e chora chamando por ti. Quando a noite cai e vejo vultos a vaguear displicentes pelo meu quarto julgando-me erros que sempre cometerei - nunca quero amar pela metade. Aguardo sempre que a outra não se divida num quarto de laranja, que ainda sumarenta, não sacie a sede. Quero tudo! Quero um tudo repleto de tudo!

Não te quero meio, porque tenho sede.
Não percebo enigmas e as "palavras são como pedras".

Odeio chorar, sem ser com um sorriso estampado no rosto como se estivesse a meio caminho da loucura.
Odeio quando a comida não traz qualquer sabor porque é o teu que quero sentir.
Odeio quando tomo banho e me queimo porque não sinto que a água está demasiado quente.
Odeio as noites em que conto histórias à almofada e ela zomba de mim.
Odeio quando o teu olhar me sorri e os teus lábios proferem uma parede de auto-defesa que não me deixa seguir.
Odeio quando um cigarro tem o sabor agridoce de olhos inchados.
Odeio quando te peço por favor e não me ouves.
Odeio que não me entendas...


Ground control to major Tom... ninguém me ouve...

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